Pra minha surpresa, não era bem um dia lindo que me aguardava.
O tempo estava nublado e havia cerração por tudo. Nem dava pra enxergar tão além da frente da minha casa. Além disso, tive que começar o dia presenciando outro evento que não queria.
No meu quintal havia um pássaro morto e um gato, que provavelmente o atacara.
Na verdade ele não estava morto. Seus olhos se mexiam e ele tremia, no chão. O gato provavelmente o largara ali por notar minha presença abrindo a porta e se afastara antes de eu sair.
Então, ficou parado me olhando um passarinho ferido, que não conseguia voar.
Que faço eu?
O mundo segue uma cadeia alimentar. Não sou vegetariano nem um defensor dos animais. Não me mobilizo por essas causas. Contudo, pensei por um instante que, se eu fosse uma pequena criatura em um mundo onde existissem diversos predadores maiores e mais fortes, e se eu me encontrasse numa situação perigosa como aquela, ficaria grato ao gigante bondoso que me colocasse fora do perigo iminente.
Ainda que fosse para apenas olhar o mundo de um lugar de cima, esperando para morrer.
Talvez eu não seja tão bom para me mobilizar por conta desses casos, mas também não seja tão ruim a ponto de ignorar aqueles que surgem na minha frente.
O gato que salvei semana passada é outro exemplo disso.
De qualquer forma, isso iniciou meu dia de uma forma um pouquinho azeda. Ao pensar que fiz uma "boa ação" insignificante, pois de nada iria adiantar prolongar a vida daquele ser alado.
Ou iria? Reconheço que não sei. Não cheguei a uma conclusão. Nem pensei muito sobre isso.
Mas acho que, mesmo diante da morte certa, a maioria das criaturas ainda gostaria de prolongar o tempo que lhes resta nesse mundo. Por outro lado, dizem que o segredo em pescar está em levantar a linha com o peixe mordendo a isca justamente porque ele para de se debater quando está no ar, diante da morte certa. Pelo menos, ele deixa de lutar.
Mas por não lutar, ele não quer viver?
Depois disso, tomei um café razoável e fui pra academia. Pernas e ombros, seguido de meia hora correndo na esteira. Foi um treino bom. Corrida intensa, puxada. Vendo os minutos se desenrolarem, correndo a simples mas constantes e cansativos 10km/h.
E conforme a manhã foi passado, as nuvens se absteram de bloquear a luz e o sol deu as caras. Um sol límpido, junto de um céu azul. Mesmo um calorzinho foi tomando conta, o que me fez carregar nas mãos o excesso de roupa que levara pra não passar frio. No fim das contas, a previsão do tempo acertou mesmo.
Ao chegar em casa, vi que o pássaro continuava lá. Olhando pro nada, Imóvel. Vivo ou morto, estava com o mesmo olhar penetrante.

Morrer é a única certeza que há nesse mundo. Pelo menos enquanto a tecnologia não nos transformar facilmente em androides/ciborgues, todos temos em mente que um dia deixaremos de existir nesse mundo. Que nosso corpo se transformará em pó. E sem a mínima ideia do que acontecerá com nossa mente.
Da mesma forma que as pessoas dão mais valor ao que não têm ou que o têm de forma inconstante ou mesmo rara, damos mais valor à vida por sabermos que um dia vamos morrer. "Existimos", mas nossa existência tem um prazo de validade - sujeito ainda a eventos supervenientes que podem invalidá-la muito antes do esperado, sem previsão.
Esse conhecimento da morte deve ser, então, um gatilho. Uma motivação, que nos estimule a viver os dias cientes desse tempo que passa. Felizes ao fazer as coisas; sem esperar atingir certos ápices para atingir a felicidade. Felizes por nós mesmos e por nossos queridos. Felizes por termos deveres para cumprir, e momentos pra relaxar nos domingos. Felizes por termos sido escolhidos, dentre bilhões de outros espermatozóides. Felizes por estarmos, afinal, vivos.
Mesmo aquele pássaro, que já não deve mais existir, viveu e, diante da morte, se apegou à vida o máximo que pôde.
De um jeito ou de outro, estamos todos vivendo.
Mas acho que uns mais do que outros.

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